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CONTOS INESQUECÍVEIS

Essa página poderia se chamar Contos Imperdíveis, Contos Maravilhosos e até Contos Horríveis. O que importa é que sejam inesquecíveis. 

Os dois sóis são verdes

 

João sonhava um dia poder fitar o sol. E  olhar para ele cara-a-cara. À noite, olhava as estrelas, contava-as no dedo, com a mão no queixo: “um dia vou tocá-las”.

-João, acorda, vamos! O ônibus vai passar! Essa é Cristina que entra no quarto de supetão.

-Ah, é mesmo, já está na hora. E saía meio tonto de tanto sonhar.

Todo dia ele se imaginava olhando o sol de frente. Loucura, os amigos da repartição onde trabalhava diziam. Não, eu posso, se  eu olho a lua de noite e com ela passeio pelos campos escuros das sombras das árvores...se eu vou a lugares pela madrugada, que nem as estrelas me acompanham, por que não posso encarar o sol?

-João, ele te queima a vista, tem que ser pelo menos com óculos escuros.

-Eu brilho mais que ele, eu nasci antes dele, na minha terra, eu mando mais.

-Já que é assim, por que você não vai logo olhar  para ele? Vai ver como a luz do sol é mais forte que a luz do seu olho. Você é cego ou vai ficar.

João levantou-se rápido, abriu a janela do escritório e deu de cara no sol.

Silêncio, um olhando para o outro. O sol amarelo e os olhos verdes de João. O escriturário tremia, lacrimejava, mas não piscava.

Olharam-se os dois por longo tempo diante do assombro dos companheiros de escritório.

O céu tremia e se revirava em nuvens, ouviam-se trovões  e relâmpagos rasgando o espaço. O tempo foi fechando, fechando e eles se olhando. O sol e os olhos de João, os olhos de João e o sol.

Escureceu, tempestadeou e João, imóvel na janela, olho no olho com o sol. Quando tudo passou, o céu limpou e nele apareceram não um, mas dois sóis....verdes.

 

Luiz Fernando Gomes 

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